O muro resiste, anos e anos.
O muro aguenta tudo:
O peso de quem se senta nele,
A força do vento de norte,
A chuva implacável de Janeiro.
E resiste.
Altivo,
Imponente,
Orgulhoso.
Vêm os miudos grafitar,
Os cães urinar.
Vêm os namorados esconderem-se
E perderem-se de paixão.
Vêm as mães de seguida
À procura de um travão
Que os impeça de avançar cedo de mais.
E o muro assiste,
E resiste,
Lá do alto
Com um olhar nos pormenores
E outro no infinito lá à frente.
Não existem travões.
Vai-se o sol e o calor sufocante.
Regressa a chuva e o vento
Numa limpeza do terreno
E das almas,
Eufóricas pelos dias grandes
Grandes em tempo e em acções.
Anos iguais as outros,
Sempre iguais,
Sempre com as mesmas histórias
E por vezes até
Os mesmo protagonistas.
Um dia o muro racha.
Não resiste.
Dá um sinal:
Não aguenta mais,
Sozinho,
Todo este movimento
De vai e vem.
E racha outra vez,
E mais outra
Num grito sufocado
Pelo barulho à volta...
Do muro.
Ninguém ouve,
Ninguém vê.
E (atrevo-me) ninguém sente.
O muro cai.
Sozinho.
BUM.